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Projeto de iluminação cênica para o Festival Mosaico Cultural.

O primeiro projeto realizado pela Luz em Movimento neste ano de 2020 foi o projeto Festival Mosaico Cultural. Ano em que vivemos uma pandemia provocada pelo COVID-19, que desencadeou no isolamento social e consecutivamente paralisou o mercado das artes no Brasil e no mundo. Diante o desafio de produzir um festival virtual, o Mosaico Cultural realizou o evento em forma de transmissão ao vivo pelo canal do YouTube. Nossa parceria com este festiva ficou a cargo do desenho de luz para o projeto Criolina Instrumental.


A música estará bem representada em duas iniciativas de núcleos propulsores do setor no DF: o Criolina Instrumental e o projeto Utopia. Atuante na noite do DF há 15 anos, o Criolina transmitirá os shows da cervejaria homônima – sem plateia -, contemplando 16 grupos selecionados pelo Coletivo, destacando o protagonismo da música instrumental da cidade, que se revezam em oito dias de programação. No line-up figuram: Gypsy Jazz Club, Funqquestra, Passo Largo, Muntchako, Face Quarteto, Esdras Nogueira e Grupo, Paula Zimbres, Zé Krishna e Amigos Eternos, Pablo Fagundes Grupo, Forró Red Light convida Martinha do Coco, Brasília Samba Jazz, Bradixie Band, Rodrigo Bezerra e Grupo, Ian Coury Trio, Marlene Souza Lima e Capivara Brass Band. Ao final da programação, o coletivo Criolina apresenta ainda uma edição especial de sua festa virtual Tela Plana, sucesso de público ao longo do período de isolamento social. (http://mosaicoculturaldf.com.br/quem-somos/)

Para realizar a escrita deste trabalho, decidi abordar o processo de criação baseado no capítulo nº 9 do livro The Stage Lighting Handbook de Francis Reid. Neste capítulo o autor trata dos processos básicos para implementar um desenho de luz. Este capítulo tem livre tradução para o português no canal Luz em Movimento. (https://www.youtube.com/watch?v=0Km1Tf6sSlE)

Reid (1977, p. 90) coloca alguns pontos importantes para a compreensão do papel do iluminador dentro da construção de uma obra de arte, entendendo que todo o processo criativo precisa de uma organização sistêmica para auxiliar na execução do desenho de luz. Para produzir um desenho de iluminação Reid propõe alguns passos à trilhar pelo universo incrível da criação e nos ajuda a sistematizar este processo.


Estudo do texto

Neste projeto temos uma curadoria que realizou uma programação de música com um conceito muito claro: A pluralidade da música instrumental na cena Brasiliense. A palavra " Mosaico cultural " ( francês : "la mosaïque culturelle" ) é a mistura de grupos étnicos , línguas e culturas que coexistem na sociedade. O texto neste caso é a programação, que identifica cada grupo musical participante do projeto, e coloca uma sequencia logica e conceitual criada pelo curador Rodrigo Barata.

Seguindo a orientação do autor. No campo da música, este nos aponta para a necessidade de se escutar a música até absorver suas nuances e entender suas caraterísticas. Esse estudo ajuda a estimular ideias para o desenho de luz. (Reid. 1977, p. 90). Neste caso teríamos 16 grupos musicais e mais de 100 músicas para escutar. Parece muito? Para mim que estava a mais de 7 meses sem trabalho foi um deleite. Portanto meu estudo do texto se deu através da programação, que definiu uma ordem conceitual a partir da curadoria. Por se tratar de um festival de música instrumental, sem letra na música, me debrucei em escutar as músicas e entender um pouco do estilo de composição de cada artista.

As apresentações musicais transmitidas ao vivo, sem público, seriam quinta-feira e Sábado.

Programação


26/09 – Sábado.

20h: Gypsy Jazz Club

22h: Funqquestra

01/10 – Quinta-feira

20h: Passo Largo

22h: Muntchako

03/10 – Sábado.

20h: Face Quarteto

22h: Esdras Nogueira e Grupo

08/10 – Quinta-feira.

20h: Paula Zimbres - autoral

22h: Zé Krishna e Amigos Eternos - autoral

10/10 – Sábado.

20h: Pablo Fagundes Grupo

22h: Forró Red Light + Martinha do Coco

15/10 – Quinta-feira

20h: Brasília Samba Jazz

22h: Bradixie Band

17/10 - Sábado

20h: Rodrigo Bezerra Grupo

22h: Ian Coury Trio

22/10 – Quinta-feira

20h: Marlene Souza Lima

22h: Capivara Brass Band

24/10 - Sábado

FESTA DE ENCERRAMENTO

TELA PLANA

DJS

(será pelo zoom)


Discussões com a equipe de criação que compõe o projeto.

Esta é uma etapa importante no trabalho de construção do desenho de iluminação. É o momento em que o iluminador deve se familiarizar com diversos fatores relativo à construção do espaço para executar o trabalho. Segundo Reid (1977, p.92) não significa que o iluminador deve dar uma opinião a respeito da disposição dos objetos em cena, nem se este tem a cor azul ou amarelada, e sim de observar a construção do espaço proposta pela direção, ou pelo responsável pela cenografia, afim de avaliar juntamente com a equipe a idealização da estrutura pensada para o palco, e sugerir alguma alteração se ao observar este plano de cenografia, encontrar problemas para a execução da iluminação. O autor ainda nos chama a atenção sobre um dos maiores problemas de uma produção de um espetáculo: a comunicação. Nesta etapa do trabalho de pré-produção é necessário que o iluminador tente descrever a equipe de criação suas ideias, utilizando story boards, sequencia de desenhos que ilustram as ideias da luz, e os elementos de luz utilizados para efeitos, que objetos serão iluminados? E como serão iluminados?

Neste projeto a equipe de criação foi inicialmente composta por curadoria, coordenação de montagem e transmissão, direção técnica, sonorização e iluminação. O espaço para a realização do projeto foi o galpão da Cervejaria Criolina que durante este período de isolamento social estava disponível para acolher o projeto. O local escolhido pelo curador tem uma característica fundamental, já era um espaço onde se realizavam shows de música de diversas linguagens. Portanto o espaço físico já contava com uma estrutura mínima para execução do projeto.

Durante alguns encontros virtuais e dois encontros presenciais no local onde fica o galpão da Cervejaria Criolina, a equipe de criação do projeto discutiu sobre as possibilidades de composição do espaço, ideias de planos para filmagem e locais para realizar as filmagens. Nestas visitas começam as minhas dúvidas com relação a iluminação para captura de vídeo, o que é completamente distinta da iluminação para o olho humano em apresentações ao vivo. Apesar de ter alguma experiência com o assunto[1], este projeto me coloca um desafio. Como pensar a iluminação de diversos shows para transmissão ao vivo? Minha primeira orientação vinda do diretor técnico foi com relação as mudanças bruscas na iluminação. Essa questão está relacionada diretamente ao diafragma da câmera (que regula a entrada de luz capturada pela câmera de vídeo) que necessita de uma regulagem manual para compensar a falta ou a saturação da luz. O que o público vai assistir é o que a câmera está captando como imagem, portanto a luz deve favorecer essa captura de imagem.

Outra questão levantada pela equipe técnica, foi com relação aos equipamentos utilizados para a iluminação. A orientação foi para utilizar equipamentos de luz quente (com lâmpadas de tungstênio) que se aproxima mais ao tom da pele.

Uma outra questão importante com relação a luz é existência de uma tela de projeção que ocupa todo o fundo do galpão. A tela possui 9 metros de largura por 4 metros de altura. Além da luz, teríamos uma projeção frontal ocupando uma das paredes do galpão. As imagens seriam projetadas por um projetor de 20mil ansilumens. Portanto teria que ser extremamente rigoroso em compor as cenas para buscar um equilíbrio entre as luzes que vão compor o meu desenho e a luz das imagens projetadas na tela aumentando a complexibilidade do trabalho.

Foto do galpão da Cervejaria Criolina na montagem da tela de projeção e iluminação.


Com relação a utilização do espaço físico, decidimos juntos em não utilizar um palco atrás da tela. Esta opção nos amplia o campo de atuação no espaço podendo executar os shows em diferentes posições dentro do galpão. Sem mencionar que teríamos mais espaço livre para a circulação das câmeras. Além do espaço central do galpão que chamamos de palco principal o espaço conta também com uma área externa e um bar.

Todas estas informações foram anotadas e meu diário de bordo, (um caderno onde registro todas as informações referentes aos projetos que desenho) incluindo as informações técnicas como dimensões do espaço, dimensões da estrutura de varas de iluminação, quadro de energia e equipamentos disponíveis no local.


Decisões sobre o estilo

Raid (1977, p. 92), nos indica que durantes estas discussões com a equipe, fique claro um importante acordo. Entre a equipe de criação deve haver um acordo com relação ao estilo que será adotado para o projeto. Todos os artistas que iriam participar do festival são compositores contemporâneos de música instrumental. Então a Musica Instrumental Contemporânea foi o tema de estilo adotado inicialmente para todos os membros da equipe de criação. O autor ainda nos coloca que pode haver mudanças no decorrer do processo, mas deve haver sempre um consenso entre todos os membros da equipe de como o projeto será encenado e qual será a contribuição a ser feita pela iluminação. Outra informação importante com relação ao estilo, veio através do diretor técnico que comentou sobre a forma como estava pensando em abordar a filmagem, explicando que os planos de filmagem seriam diferenciados, que adotaria deste um plano geral à closes, movimentos de câmera em grua e câmeras na mão de cinegrafistas, buscando um estilo de filmagem que se aproximasse mais a filmagem de um DVD ao vivo. A partir desta informação fui pesquisar o que estava acontecendo neste ano de 2020 em relação a transmissão ao vivo de shows, única forma de apresentação possível em meio a pandemia. Buscando referências me deparei com apresentações que iam desde transmissão em preto e branco como o trabalho de Jorge Drexler (https://www.youtube.com/watch?v=KnsFbj0Z-FI) até a apresentação live Festa do Gil realizada pelo artista em sua casa (https://www.youtube.com/watch?v=s6KB4dDmrcw)

A cada pesquisa sobre o assunto transmissão a o vivo, uma coisa estava ficando clara para mim. A luz poderia exercer uma função estética e artística, mas teria que ter como função primeira iluminar a cena para a câmera. Os efeitos de luzes quando acontecerem devem ser combinados com o diretor de edição para que pudessem ser registrados pelas câmeras que são o olho do público. Para isso os ensaios seriam muito importantes.


Ensaios

Como realizar ensaios em meios uma pandemia que impõe o isolamento social? Nosso autor coloca o ensaio como matéria prima para ajudar no desenvolvimento do desenho de luz. Raid (1977, p. 93) enfatiza a importância do iluminador nos ensaios para coletar informações importantes para sua criação. Mas neste projeto os ensaios iriam acontecer horas antes do show. Por tanto, não teria ensaios anteriores a apresentação e as únicas informações com relação a cada apresentação era; o mapa de palco (posicionamento dos músicos no palco) de cada banda, seu repertório e o banco de imagens que seriam projetadas em cada apresentação. Diante desta situação, me deparei com a seguinte questão: Como vou tentar trazer um desenho de luz diferente para cada uma das 16 apresentações? Como pensar tudo isso com apenas duas semanas para o início do projeto? Sem ensaios? Minha solução para estas perguntas foi realizar um desenho para cada dia de apresentação o que diminui para 8 o número de desenhos.

Mapas de luz

Segundo Reid (1977, p. 93) “Um plano de iluminação tem duas funções: preparação e comunicação. É a folha de papel na qual os lighting designers de fato elaboram como iluminarão o show”. Neste plano deve conter os instrumentos a serem usados, seu posicionamento, quais terão filtros de cor, quais dimmers alimentarão os equipamentos, quantos Muving lights e multiparâmetros e onde serão focalizados. A primeira função de um plano de iluminação é a preparação. Para isso elaborei uma série de planos, um para cada semana, como sugestões de posicionamento das bandas e uma cenografia que dialogasse com o conceito escolhido pela curadoria. Estes planos ajudariam a dialogar com a equipe de criação, de forma a pensar em tentar trazer sempre algo novo ao mesmo espaço. Os planos também servem para a gente visualizar o posicionamento das bandas e os espaços que estariam disponíveis para o posicionamento das câmeras. Criei um grupo de comunicação no WhatsApp para facilitar a comunicação com a equipe de criação e poder enviar para todos as sugestões de planos de iluminação.

A primeira ideia foi apresentar um plano geral, onde as luzes posicionadas no grid de luz do teto, pudessem servir para um formato circular de palco necessitando apenas de afinação para modificar o desenho, sem necessidade de remover os equipamentos de lugar.


Foto: Arquivo Pessoal. Mapa de luz Inicial – 1º versão para o Festival Mosaico Cultural transmitido ao vivo as Cervejaria Criolina – 26/09/2020 Brasília. DF.

Em seguida comecei a enviar os planos de luz para a equipe de criação para sugerir um posicionamento das bandas no espaço, seguindo o mapa de palco de cada banda, (enviado para a produção previamente) e algumas sugestões de cenografia.

Estreia. 1º semana

26/09 – Sábado.

20h: Gypsy Jazz Club

Local: Balcão (Reflexos, Espelhos. Materiais convencionais que se transformam, (Abajur estilizado)



26/09 – Sábado.

22h: Funqquestra

Palco principal - Palco no formato tradicional com os músicos no centro e a tela de projeção ao fundo.

Cenografia - toneis de chope em formato circular com uma fita de ledo PIXEL desenhando o contorno desta cenografia no chão.



01/10 – Quinta-feira – 2º semana

20h: Passo Largo

Passo Largo - (formação com 3 músicos - com mapa de palco)

Local: Balcão

Cenografia - Tela de galinheiro fixada na parede ou mesmo colocada de forma informe (para criar uma textura desuniforme na parede de azulejos branca para projeção) referencia em anexo. Mistura de luz e projeção neste cenário.

2 projetores colocados no chão ou em cima do balcão com imagem destorcida. (Imagens são texturas) pensando em um aplano aberto.

Luzes frontais no chão para gerar sobra no fundo ampliada.

Infelizmente por conta descoberta de algumas dificuldades de gravar no Balcão (principalmente pelo curto tempo de mudança entre uma banda e outra) as apresentações passaram a ser gravadas no Palco Principal.

01/10 – Quinta-feira - 22h: Munchako - segundo show

Local: Espaço Central. Sugestão de mudança de layout. Mudança na posição das bandas para quinta e sábado.

Cenografia: Bancos, mesas e barris de chope colocados para compor uma cenografia uniforme para todos os músicos. A tela para projeção seria utilizada a grade com latinhas da cerveja criolina.


03/10 – Sábado.

20h: Face Quarteto

Local: Balcão

Cenografia - BAR - organizar no balcão um bar com bebidas (sem rótulo de preferencia), copos e se possível um ator/garçom para realizar esta atuação de fazer drinks e limpar o bar.

A luz seria uma luz geral dando destaque a 4 pendentes ou 4 refletores pequenos instalados em trilho Altrack.


22h: Esdras Nogueira e Grupo

Local: Espaço Central. Mantendo o mesmo local apenas retirando todos os objetos. Deixando só a banda no chão e a parede de latas ao fundo.

Cenografia: Vazio/Exílio.

A luz tem silhuetas, contra luzes e laterais. Cor: vermelho e Branco. Projeção: Material do artista.

08/10 – Quinta-feira – 3º Semana.

20h: Paula Zimbres – autoral

Cenografia: Bancos em formato e estrela. Mesas normais. Câmera no teto.


22h: Zé Krishna e Amigos Eternos - autoral

Cenografia: Bancos em formato de estrela. Mesas em pé

Os músicos estão pintados de azul. (Principalmente no rosto, espero que eles tenham um figurino que contraste)


10/10 – Sábado.

20h: Pablo Fagundes Grupo

Cenografia: composição dos cases com ribaltas de Led. Um tecido no fundo ou mesmo a própria parede para fazer uma base para luzes no chão.

22h: Forró Red Light + Martinha do Coco

INÍCIO DO PROCESSO


Iniciamos a montagem do mapa inicial com a formação da Funqorquestra no dia 22 de setembro, quatro dias antes do início do festival. Os equipamentos foram montados no grid existente no espaço.



Para a montagem dos equipamentos, foram seguidos os protocolos de higiene para o Festival Mosaico Cultural (protocolo em anexo nas referências bibliográficas). No dia da montagem de luz apenas a equipe de iluminação permaneceu no local. Foi disponibilizado álcool 70% em spray e álcool gel, máscaras e luvas. A montagem iniciou as 21:00 do dia 22/09 e foi até as 02:00 do dia 23/09 totalizando cinco horas de trabalho.

Saímos do Galpão da Cervejaria Criolina com o sistema de iluminação montado e testado, com o grid na altura correta para afinar as luzes no teste de quinta-feira dia 24/09.

Realizamos a afinação das luzes e um ensaio dia 26/09 que foi gravado, mas não listado no canal, disponível apenas para conferência da equipe de criação.

Enfim a estreia. E com ela diversos ajustes.


Foto: Yuri Alvetti. Apresentação do Gypsy Jazz Club no Festival Mosaico Cultural transmitido ao vivo as Cervejaria Criolina – Brasília. DF. 2020.

Iniciamos a transmissão de abertura do festival utilizando o Bar como cenário para a primeira apresentação. O Bar como local para gravação é muito interessante, porém traz limitações que precisavam de mais tempo para serem exploradas. Enquadramentos, cenografia, luz e uma coluna de ferro bem no meio do espaço que dificultava planos abertos. Além de outro fator que é o deslocamento das câmeras. O tempo para reposicionar as câmeras para o palco principal era muito curto.

A apresentadora Ana Luiza Belacosta, uma negra linda apresentava a programação do Festival. Mais uma pergunta. Como calibrar a luz para a pele negra? E o cabelo também negro?

A solução veio em iluminar do alto e de frente com um elipso ETC 36º um pouco desfocado sem filtro, e dois ML Giotto 400 frontais cruzados em diagonal com filtro half CTO[2], para equilibrar as sombras. Mais dois ML Giotto 400 posicionados no fundo faziam a contra luz que iluminava o cabelo de proporcionava ver seu volume. A calibragem da intensidade era por cada aparelho, sempre com o monitor como referência.